quinta-feira, 21 de maio de 2009

Londrina, à meia-noite (III)

Entrei. Motorista de cara amarrada, sem cobrador, provavelmente por isso, de cara amarrada. Um passageiro antes e outro depois da roleta. Eu era o terceiro. O motorista devia estar adiantado. Aliás, como não se adiantar com ruas sem movimento, ninguém pra entrar ou descer do coletivo. E ele ia, lento, lento. Ia reduzindo a marcha quando ia dar o sinal amarelo, pra ganhar mais uns segundos. Nem quando estou dirigindo vejo tanto semáforo aberto, mas aquele motorista estava adiantado e ia devagar, devagarinho, pra meu desespero.
Quando chegou na esquina da Benjamin com Quintino, acho que já tinha entrado no horário certo e daí ele começou a andar feito motorista de ônibus. Só que ele andou mais uma quadra e virou! Peraí, é só ir reto que você sai no terminal! Aquela linha tem esse desvio. Demorou mais uns dois minutos e meio e às 23:57 ele enttrou no terminal, pela entrada de baixo.
Aí, como sempre acontece quando estou com pressa, o motorista demorou para estacionar e mais ainda pra abrir a porta do meio. Deve ter sido um tempo normal, mas na pressa que eu estava, tudo demorava.
Desci do busão e subi as escadas rolantes igual jacu, subindo os degraus em movimento. Ao final da subida, lá estava meu ônibus, com o motorista dentro e motor ligado. Corri deseperado (odeio correr atrás de ônibus). Ofegante, entrei e achei lugar. O motorista desligou o motor e desceu, fumar um cigarrinho. Ele tinha acabado de chegar.
* * *
Enquanto esperava, comecei a pensar neste post. Às 0:05, saímos. Se eu contasse com esses 5 minutos, certamente o ônibus não estaria lá, é sempre assim. À meia-noite saem quase todas as linhas regulares. O terminal fica deserto, mas sempre fica alguém lá fazendo sei lá o que.
Saímos. Logo notei a Praça Rocha Pombo, revitalizada. Na ida eu já tinha reparado, pois os chafarizes estão funcionando. Tá muito bonito. De noitão também. E não tinha ninguém à espreita. Nos pontos do centro, a maioria das pessoas desce. São estudantes. O ônibus vai da JK até o bairro sem descer mais ninguém. Algumas cenas me chamam a atenção. O lixo na rua. A abundância de vagas de esacionamento. Os ovos de páscoa que ainda estão à venda em uma farmácia da Souza Naves. A mulher que sempre está com lençóis na mão, na lavanderia da Santa Casa, que sempre vejo pela janelinha.
Em frente ao Hotel Sumatra, a melhor cena. Ao lado do ônibus, pára um caminhão de lixo. Bem no rumo da minha janela, os coletores. Três homens, pendurados no caminhão, conversando alegremente, sorrindo. Queria estar com minha máquina naquela hora, pra tirar uma foto daqueles três. O retrato da felicidade, apesar das adversidades. Um deles se abaixa e pega uma laranja. Joga pro alto e pega de volta, brincando. Eles me cumprimentam. Decerto, notaram que desde sempre admiro essa profissão.
* * *
A viagem continua. Passo em frente à casa do vereador Paulo Arildo. Ali descobri que a lei seca vigora. Numa região cheia de bares e dois postos de combustível, tudo fechado, ninguém na rua, silêncio.
O ônibus segue sacolejando pela ondulada avenida e mais à frente vejo meu amigo, o revoltado Jorge. Já tinha fechado sua lancheria, limpava a chapa, talvez pensando no filho que não consegue ver por culpa da ex-exposa, que quer tomar-lhe tudo. Pobre Jorge.
* * *
Perto de minha parada descubro que ainda estou longe dela. O último ônibus da noite, o "recolhe", é um mistão das duas linhas do bairro, que durante o dia circulam por ruas diferentes. Eu seria o último passageiro a descer. Naquela lata envidraçada e iluminada, nos embrenhamos pelas ruas escuras do bairro. Difícil era saber onde estava. Quando sobra só eu e outro passageiro, vou até o motorista e pergunto se ele ainda cumpriria todo o trajeto,pois ainda seria uma volta enorme até o meu ponto de descida. Ele me pergunta onde eu desceria. Respondo e ele me dá uma boa notícia. "Então vamos encurtar o caminho". O outro rapaz já é conhecido do horário, nem precisou apertar a campainha pra descer. Como último passageiro a descer, puxei conversa com o motorista, embora isso seja proibido. Ele me disse que faz o horário das 19:00 às 01:00, seis dias por semana. Estava estranhando ter pouca gente. Disse que normalmente vem cheio. Parou no meu ponto, desejei bom descanso e desci. Ele seguiu pra garagem da empresa, com mais um dia ganho. No relógio, 0:32.
* * *
Vale registro. Descendo do ônibus, encontrei dois cães se engraçando, um querendo montar no outro. Eram dois machos. Quando viram que eu estava olhando, disfarçaram. E começaram a me seguir. Pensei que iam me atacar. Um deles me acompanhou até o portão de casa.
Quando entrei em casa, vi na TV o resultado do jogo do Inter, na internet o resultado da NBA. Concluí que aquela não era mesmo uma noite qualquer.

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